Por Fernando Moura, em São Paulo
O segundo e último dia do Brasil Streaming 2021 permitiu traçar um perfil do consumidor de streaming no Brasil e América Latina: um consumidor nômade, multitela, migratório, valoriza a velocidade e qualidade do streaming de vídeo na hora de escolher uma plataforma para assistir conteúdos audiovisuais. Ainda, este consumidor prefere a internet de banda larga fixa, mas sabe que a internet móvel o permite consumir conteúdo em qualquer lugar.
De fato, a pandemia provocada pelo novo coronavírus amentou o consumo e fez com que 38 dos 50 dias com maiores audiências dos últimos 5 anos ocorressem em 2020, explicou Melissa Vogel, CEO da Kantar Ibope Media que participou junto a Christian Peralta (BB – Business Bureau), e Omarson Costa (Consultor) do painel ‘Audiência e relevância dos conteúdos e serviços’.
Melissa afirmou que o Brasil é destaque no consumo e que o aumento no consumo de streaming, seja em plataformas VoD, AVoD está ‘criando uma base de experimentação, que é o primeiro passo para a consolidação do modelo de consumo’. De fato, afirmou a executiva, ‘independentemente da forma de acesso, o brasileiro está sempre conectado e se destaca da média global nesse sentido’.
Segundo Melissa, no mundo a média de consumo de vídeos online gratuitos é de 65%, ‘no Brasil essa porcentagem sobe para 80%’. Ainda referiu que o país é líder mundial nas interações nas redes sociais quando se refere à televisão, já que o Big Brother Brasil, da Globo, e a Fazenda 2020, da Record TV, foram os dois temas mais mencionados nas redes e deixam atrás programas de Espanha e a Inglaterra. ‘O conteúdo em vídeo gerou mais de 363 milhões de tweets no Brasil, destes a TV aberta gerou 335 milhões, 14 milhões na TV paga, e os serviços SVOD 13 milhões.’
Nesse mesmo painel, Christian Peralta (BB – Business Bureau) afirmou que no Brasil, no final de 2020, apenas 7% da população só consumia tv paga, e que quando se considera ambos serviços, ou seja, TV paga + OTT, a percentagem alcança os 16%. Disse ainda que de todas as maneiras o maior crescimento se deu ‘nos domicílios que só contratam OTT (11%) e que isso se deve aos custos do serviço’, o que reforça a ideia de que no Brasil e na América Latina as plataformas AVOD têm maior audiência por serem gratuitas com inserção de publicidade.
Pirataria e novos produtos
Outro dos temas de destaque do dia foi a pirataria, um fenômeno que aumentou na pandemia. De fato, segundo Peralta, 33,5% dos lares brasileiros com internet assistiram conteúdos por meio de pirataria online no ano passado.
Luís Eduardo Diaz (Vida) afirmou, no painel ‘O modelo IPTV e OTT para operadores de banda larga’, que o país não lida bem com o assunto. ‘Aqui lidamos de forma muito precária contra a pirataria. Precisamos fazer um esforço redobrado e conjunto contra esse problema. Os serviços de pirataria são tão pulverizados que é difícil lidar com isso, não temos como saber quantos usuários temos consumindo pirataria, o único que nos favorece é a diferença de qualidade’.
Diaz esteve no painel junto com Maurício Almeida (WatchTV), Alex Jucius (Neo Asssociação), Jair Francisco (Unifique), e Alessandro Maluf (Claro Box). Este último afirmou que ‘a pirataria é um fenômeno antigo, começou com o roubo de caixas e cartões. Agora com o advento do IPTV e os aplicativos é muito danosa. A resposta do ClaroBox é trazer uma alternativa mais barata, mas a concorrência é muito desleal. São muitos, se conseguimos fechar um, imediatamente nascem 10’.
Maluf disse que o ClaroBox é uma nova opção da empresa que pretende ‘entregar qualidade e flexibilidade ao menor custo. É um produto complementar, que opera tanto na TV a cabo como em TV por satélite. Por ser um produto 100% OTT, permite ter uma grande oportunidade’, já que vários milhões da base de clientes da Claro não têm a TV nos seus pacotes.
Alex Jucius (Neo Asssociação) disse que as empresas que se adaptaram ao novo ecossistema e oferecem produtos diversificados quadriplicaram o faturamento em PayT. ‘A Associação hoje distribui conteúdo ou serviços há 7,5 milhões de domicílios, o que representa 30% da base do país, e tudo isso em apenas 18 meses. Fizemos um trabalho grande. A base está crescendo com mais ISP com distribuição do aplicativo direto, e outros que querem montar outra plataforma. Somos um marketplace que ajuda a cadeia produtiva do audiovisual’.
Pela sua parte, Maurício Almeida disse que a Watch TV trabalha com ‘algoritmo para poder acompanhar o ciclo de consumo do assinante, entregando, dessa forma, a nosso cliente (ISP) os dados do cliente para que este possa fazer uma venda construtiva. Ele deve agregar valor à oferta do seu cliente que se gera com a percepção. O consumidor brasileiro gosta de ser reconhecido’.
Do hardware ao conteúdo
Assim começou a sessão da tarde do segundo dia do Brasil Streaming 2021. Em ambas as sessões ficou claro que o hardware e o software terão um papel fundamental na sustentação do crescimento dos serviços de streaming, e que a ‘a evolução dos dispositivos e soluções’ precisa ser controlada e está diretamente ligada à evolução dos serviços e modelos de negócio.
Na mesa foi formada por Claudio Blatt (Elsys), Luis Bianchi (Roku TV), Danilo Almeida (Nagra), Abel Honigsblum (Penthera). O executivo da Penthera anunciou que após o Globo.com utilizar os serviços da empresa, agora se somam os canais Telecine da Globosat com serviço de download de filmes da plataforma para que os usuários possam assistir offline. ‘Agora Telecine poderá oferecer tecnologia e qualidade e brindar um serviço aos seus usuários’, porque, segundo ele, um dos maiores calcanhares do ecossistema digital parte das flutuações e instabilidade da rede.
‘No Brasil, 80% dos usuários quer ter possibilidade de fazer download pelos problemas de rede, ao poder baixar o conteúdo facilita a experiência do usuário. As pessoas baixam o conteúdo e assistem em casa porque as redes domiciliarias estão sobrecarregadas e perdem ainda mais qualidade. Com a solução SDK geramos analíticos e percebemos que os usuários assistam no celular dentro de casa, sem utilização do Wi-Fi. O download foi pensado para o usuário em trânsito, mas se usa no Brasil para assistir individualmente em casa’, finalizou.
Luis Bianchi (Roku) disse que em 2020 ‘os 51 milhões de clientes da Roku consumiram quase 60 bilhões de horas de streaming, sendo que cada conta usou quase 4 horas por dia’, o que, segundo o executivo, deve ser superado em 2021. Para ele, o modelo AVOD é o mais sustentável para plataformas como a ofertada pela empresa, mas que nela são suportadas as plataformas de OTT VOD porque o hardware da Roku muitas vezes é utilizado para ter uma melhor experiência no streaming.
‘Nós somos uma empresa de software que para monetizar a plataforma própria utilizamos AVOD, mas também vendemos nossos devices para, desta forma, aumentar a base de usuários e, a partir daí, trabalhar com os nossos parceiros para ter mais horas de streaming e, assim, monetizar os conteúdos relevantes como, por exemplo, o Globoplay’.
5G e o futuro
O último painel debateu ‘O impacto do 5G e do WiFi 6 no mercado de streaming’, e como a evolução das redes de banda móvel e wireless pode transformar o mercado. Assim, Rafael Garey (Globo) mostrou um estudo pormenorizado da Globo que revela que a maioria dos usuários consome streaming com banda larga porque ‘a internet é mais rápida (47%) e a qualidade de vídeo e os aplicativos na plataforma da smart TV fazem toda a diferença na hora de consumir’.
Garey afirmou que grande parte do universo analisado pela pesquisa não sabe identificar os diferentes formatos e tecnologias de entrega, por isso apenas 25% sabe o que é VoD, 39% reconhece um serviço de AVOD, 30% o que é SVOD. ‘Por isso precisamos ensinar aos usuários o que é o streaming e quais são os serviços acessados’.
Para ele, o maior desafio do 5G é mostrar ao usuário os benefícios da tecnologia porque senão na hora de pagar um valor adicional pelo serviço o público não vai aceitar. ‘A expectativa do público passa por fazer download de vídeo mais rápido (47%) e poder assistir vídeos em alta definição (43%), além de poder assistir vídeo por streaming em qualquer lugar (42%)’.
Renato Ciuchini (TIM) disse que o impacto será grande, mas deve ser bem avaliado e analisado. ‘O 5G é uma oportunidade de negócios e o desafio passa por fazer que esses novos modelos sejam monetizados. Sabemos que o vídeo é uma das principais possibilidades de monetização’.
Pela sua parte, Francisco Giacomini Soares (Qualcomm) afirmou que ‘vídeo, streaming e transmissão tendem a aumentar, por isso desenvolvemos tecnologias que embarquem serviços que possam ser utilizados no 5G para radiodifusão. Vai haver uma disrupção e, com ela, uma nova forma de produção de conteúdo, precisamos estar preparados. Apostamos em serviços stand alone broadcast para pensar numa TV Broadcast 5G pensada como TV 3.0’